O ombro da Borboleta

O ombro da Borboleta

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A cachoeira

É certo que um dia há de se ir a uma cachoeira. Devia-se, ao menos. Pois pelos caminhos à fonte encontra-se muito de tudo que perdemos aos poucos pela vida.
Na trilha, sempre longa, indiferente a lonjura, começamos por encarar os pés e os passos. Tudo o que vemos é lama, pedras, folhas e outros resquícios de chão.
Mas a cabeça cansa, ou alguém o desafia, e de vez em quando espia o céu, a mata, o animal silvestre.
Vai entendendo, bem devagarinho, que se não der olhos ao caminho, tudo é lamentação.
E o corpo, com sangue subindo, vai também aderindo ao ritmo e a inclinação.
Quase na metade - o velho cansaço - se anuncia, se debate. Mas que há de ganhar? Meia estrada pra voltar? Toda razão há de acordar, que o melhor é continuar. Vais então.
Descarrega vaidades, soberbas, certezas. Descarrega a ilusão. Desapega.
Já quase chegando às águas sonhadas - pois desde lá, no princípio, imagina-se a cascata - sente-se um alívio invadir o peito no barulho de embrulho das pedras molhadas.
E essa alegria nascente, é como assistir o sol poente, no coração que tão logo entende a superação da estrada. Sem dor não haveria nada.
Quando a cachoeira é vista, o berrante das águas grita: conquista! E o véu e as rochas celebram nossa chegada.
A natureza que envolve, conta um pouco da vida e da morte e medita sobre a correnteza passada.
Nas forças das quedas, um gélido soco, um engodo pra retirar toda casca. E com ela a inhaca.
Quem mergulha, ali mesmo compreende, que a mágoa e o pesar precisam ficar, porque sempre nos prendem.
Lava a alma, lava a cara. Rega a semente.
E com o coração leve, o retorno parece ser breve, mas vez por vez nos lembra: paciência!
Ao pé da trilha, prestes a partir, sente-se o corpo a sorrir.
O presente é estar ali.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Contradições



Quem escreve o faz para não morrer. Não necessariamente para se eternizar. Para não morrer mesmo. Não explodir, sucumbir ou simplesmente parar de respirar tentando segurar as palavras inquietas que deliberadamente reivindicam sair.
O sofrimento do escritor se materializa em palavras. O escrito é o câncer cuspido pra fora. É o vomitar insano daquilo que nunca nos sai da garganta. Mesmo escrevendo não sai. Não sai de ninguém, nunca.
Às vezes fico pensando, nessa peça que nos pregaram de nos fazer viver. E então morremos todos os dias sem saber a que viemos. Inventamos sentidos, formulamos razões, criamos porquês espirituais.
Vale pena. É preciso significar a vida para morrer. Um segundo. Um milésimo. Ou anos, uma vida toda. Mas é a conta para partir.
E eu escuto essa música de dançar e minhas angústias silenciam. É apenas uma música. Mas elas calam. Como se fosse proibido sofrer ao som alegre dos violinos. Até o violino pode ser alegre. Contradições.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Esperança

Essa minha vontade de escrever...
quero dizer!
Dizer algo que cure um coração sangrento...
Que desperte amor em uma alma amarga...
Que faça chorar os secos olhos insensíveis...
Quero escrever as palavras mais envolventes,
que apaixone os desacreditados,
que instigue revolucionários dormentes,
e acenda uma luzinha na escuridão dos perdidos...
Minha vontade de escrever vai além das linhas...
Quero buscar o sentimento alheio,
quero senti-lo e transformá-lo!
Quero inspirar a vontade infinda,
quero viver antes de eu morrer,
e quando eu morrer quero viver ainda.
Minha pretensão viaja com meu sonho,
de dizer a todos e também a mim,
com as palavras mais lindas em poesia,
com os versos enraizados em esperança,
que vale a pena viver sim!

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Violino

Um violino dilacera
um coração ressentido
e é lento
e doce
é lindamente cruel

toca.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Atracar

Navegava em mares turvos,
pedia amor e calmaria...
Por vezes rezei por terra,
por vezes tentei, sem sucesso, remar.
Meu capitão trancou-se ao convés,
e não me deixava entrar.
A tempestade cresceu,
As águas, os gritos, a dor.
Entre barco e mar,
já não o sentia mais meu.
Esquecera de vez seu calor...
E as sereias infernais
ao canto o chamaram..
E também os maus espíritos,
os piratas mais afogados..
Oferecem sempre ouro
ouro e álcool, nada mais,
nunca mais.
E nas ondas, truncadas em choro,
enfurecido tomou-me por má...
Levou-me a ilha mais próxima,
e me deixou lá.
Ao ver abandonar-me a vela
A toda e para qual navegante virei,
e sentir a frieza singela
do capitão que a tanto amei,
empunhei minha adaga,
a minha arma mais letal
e jurei ao céu e à terra,
ao sol e ao sal,
jamais iludir-me como tal.
Mas já ao longe, quase a perder de vista,
percebo meu coração acalmar...
A indiferença dolorida
já não me atingirá..
E mal tripulante, se fui,
Pelo menos eu sei me entregar.
E inteira fico em terra,
com um novo mundo para explorar!

terça-feira, 19 de maio de 2015

Anzol da vaidade

Quem dera eu pudesse entender
qual essência é essencial.
Somos tão categóricos,
tão programáveis.
Tão certos de ser o que esperam de nós.
Esquecemos porém, quem somos.
Será que ando fugindo da minha essência
ou apenas trocando roupagens?
Quem sou? Quem sou?
Que tormenta!
Quanta inquietação da paz.
Essas verdades alarmantes.
Como escapar dos anzóis da vaidade?

Desesperoança

Esse espaço entrecortado entre um anseio.
É preciso escrever, mas o que?
Qual é a voz que quero falar?
São tantas opiniões sobre tudo. Tanto escrito vazio.
Estou eu vazia e julgo?

Ranso

Ah se eu pudesse
Parar as palavras 
Eximir o meu ódio 
E matar a rivalidade.


Amém

Todo amor
Que compuser o espírito 
E todo clamor
Enraizado na alma

Seja louvado o esforço louco
E clamada a coragem tardia
E nada vá além da frase cabida



Fio

O fio, tece seu laço em fita de papel.
A palavra é linha, lã.
E conduz o pensamento.

Pensado: possibilidade 
Escrito: concreto 

Novembro

Acontece ao fechar os olhos.
Imagina-se mais.
Cria em mente um mundo paralelo.
Belo.

Simborá

Ai ai
dor minha,
que queres de mim?
Estou tão só,
sozinha
que tudo dói, sim.
Mas já é hora,
Não tarda,
vais se embora!
Por favor, vai!
Por mim...

Transbordante

Meu coração derrama
e anseia por mais,
"mais, muito mais!"

Quero abundância
e o peito inflama,
quero demais!

Inspira coração meu,
assimila o que já é seu
e siga na direção.

Há de morrer de excessos!
Acalma seu palpitar,
deguste sua emoção.

Revela-se

Revela-se,
deixe cair por terra
toda a casca.

Entrega-se,
não carregue mais
todo o medo.

Amar o requer
inteiro.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

A partida

Qual tristeza contam teus olhos?
Qual tristeza eles mentem?
E quando se fecham, qual a dor do teu coração?
Sente tua incapacidade?
Sente tua falta de controle?
Sente teu medo?
E o que tu dizes a ti mesmo?
Tenta?
Chora?
Faz a mala e vais embora?
Qual certeza tens em tua alma?
Qual incerteza vem te encontrar?
Sente tremer ilusões?
Sente que a dor vai ficar?

domingo, 3 de maio de 2015

Oceano

Em mim chovem mares,
e a neblina não me deixa ver.
Tanto raio raivoso,
tanta dor.
Rezo pela vela,
pra que acerte a direção.
Entre ondas só posso esperar.
Ajoelho-me ao convés...
Que o mar guie meu coração.
Solto das mãos a corda que me corta.
Deixo-me navegar.
Tudo passa,
tudo há de passar.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Drama meu

Meu coração é saltitante,
É poético,
Dilacerante.
A cada sentimento sentido
Ele se move,
Esperneia
Sofrido.
E se a alegria bate
Ele vibra,
Ele pula,
Ele late!
Coração vibrante.
Nem pensa,
Só age.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Romeu e Julieta

Como ousei
deixar meu Romeu?
Por viver à sua procura
o perdi
e cacei-o por vales escuros,
arrisquei pulsos
e impulsos.
Quanto mais meu almejo inflava
para longe se ia,
meu amor,
toda minha vida.
E foi outrora,
sem desejo ou receio,
ao pé da minha tela,
com cores ainda vagantes,
uma taça de vinho de rosa,
um jazz,
o reencontrei!
Ah! Quanta saudade
sentia essa sua Julieta.
Quanto amor em chama para doar.
Que acaso, que romance.
Romeu, meu bom romeu,
Não sabias que tu também era eu!


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O Pássaro azul

Meu pássaro azul em prantos
clamando por liberdade,
urra e berra
vontade pura, por mais verdade.

Não posso deixá-lo sair
Eu sei que não sabes voar,
e o que seria de mim
sem pássaro azul para cantar?

Mas triste ele se ausenta,
perde sua cor enfim,
e em greve de fome e sede
deixa de existir em mim.

Sem pássaro quem sou eu?
pequena a alma sem canto
jogada ao cerne comum
de não possuir encanto

Presa como meu pássaro estou
em dúvida e apego,
mas em altura ou escuridão
sua morte será meu sossego...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A voz do poeta

Quem escreve precisa desconstruir discursos, precisa de rebeldia.
Tem que ter a boca suja, a alma em chamas e um rugido incessante no peito.
Precisa enfiar o dedo na própria ferida.
Lavar-se de todo pudor.
Quem escreve tem inimigos.
Porque diz aos outros o que eles podem ser e não são. A começar por si mesmo.
Pendem de covardes ordinários para corajosos marginalizados.
E as vezes estupendos.
Poetas são sofredores e fingidos.
Sua caneta é sua voz.
Uma voz muda, as vezes sorrateira,
penetrante, desconfortável,
uma voz que ressoa e
de repente, quem sabe
diz.



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O jantar à mesa

Estava sozinha em um restaurante.
Observava as pessoas e os objetos. Era a primeira vez que eu ia aquele lugar.
O ambiente era agradável, mesas de madeira espalhadas na calçada, um vento fresco de noite, uma meia luz amarelada revelando certa boemia.
Meu copo de suco transpirava frescor.
Não esperava por ninguém. Viajava a trabalho e ficaria ali, esperando pelo prato pedido e depois voltaria ao hotel onde estava hospedada.
Seria uma noite comum, não fosse uma pequena gata que surgiu surpreendentemente do meio-fio da calçada.
Ela veio e trouxe consigo a lembrança de seu rosto.
Minha memória imediatamente foi buscá-lo lá de longe para bem perto.
Lembrei do seu riso e da sua luz, das piadas que faz sobre si mesmo e depois sorri sem graça. Lembrei de como você costuma comer coisas saudáveis e como "vira e mexe" me dá conselhos para que eu mude minha alimentação. De como você é gentil com as pessoas, sempre trazendo abraços ou bombons e como seu bom humor contagia.
Consegui visualizar repetidas vezes nós dois gargalhando por alguma razão ínfima - meu prato enfim chegou a mesa. Imersa em pensamentos eu comecei a comer - Suscitou-me à lembrança sua discrição e o seu tato para falar de assuntos difíceis, e também da sua coragem para expressar sua opinião, mesmo que adversa.
Meu pensamentos trouxeram a tona a maneira sensível como você silencia nos momentos em que percebe minha angústia para falar e ainda como oferece generosamente seu ombro às minhas lágrimas.
E em meio a tantas lembranças senti um calor acolhedor dentro do meu coração.
Olhei com afeto para aquela gatinha. Sempre quando almoçamos naquele pesqueiro (com deck de madeira e um lago bonito à sua margem), você carinhosamente tira pedaços da sua comida do prato e dá aos gatinhos assanhados que vivem por ali. E por isso, todas as vezes eles rodeiam nossa mesa, miando desesperadamente.
Pensei no quanto sua presença me ensina e já me ensinou durante o tempo que nos conhecemos...
Naturalmente, tirei do meu prato algumas batatinhas e ofereci àquela gatinha. Faminta ela avançou salivante!
Respirei fundo aliviada, renovada, com a alma também alimentada.
Obrigada, meu amigo, pela companhia nesse jantar!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

E a verdade sei

Pandora abandonou-me em dúvidas,
quando veio disfarçada em caixa de ódio
aquela bendita esperança.
Por vezes tentei decifrá-la,
por vezes deparei-me triunfante a segurá-la.
Como um soldado a empunhar firme sua espada para lançar um último golpe.
A última que morre,
A espera confiante driblou-me a tanto,
e a todo embaralho
dizia-me, mantenha o espírito, e há de ser.
Não sabia outrora o que sei agora.
Enganou-me mascarada de bem,
em meio a tanto mal liberto
do presente curioso.
Não mais.
Esperança é o mal maior,
é a expectativa infinda,
a cortina espessa que encobre a verdade.
É a última a se vencer, pois é a mais difícil.
Está travestida.
Se mantém perto e nos aconselha.
Parece amiga.
Fez sentido por fim aquela caixa: amaldiçoada.
E a verdade sei.
Não hei de esperar mais nada.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Liberdade

"Liberdade!"
Gritou avante o cavaleiro frente a guerra que travara.
O eco surdo do penhasco respondeu:
"Liberdade?"
Enfezados, companheiros clamaram por uma resposta digna!
Em cochichos ou em gritos afrontaram tal audácia,
"Que infâmia esta pergunta!"
"Como pode alguém ofender tão nobre soldado?"
"Serás possível o oponente responder?"
"Quem és desavergonhado vilão?"
E o burburinho todo repetia em eco:
barulho, barulho, barulho!
Em vanguarda, ajustou-se novamente em seu cavalo.
"Liberdade!" - o cavaleiro
"Liberdade?" - o eco.
Ah, agora aos berros, nenhum patrulheiro se eximiu
"Tirano! Há de respeitar nosso guerreiro!"
"Valha apenas a coragem dele em postar-se aqui!"
"Por que não sobe este penhasco e enfrenta-nos?"
"Basta esse atrevimento!"
E um dos que estavam na retaguarda, empunhou sua espada,
e em passos largos, balbuciando raiva
lançou-se do penhasco a gritar
"Comigo NÃO, a mim não!"
- puf.
Fez silêncio.
"Liberdade!" - o cavaleiro arriscou.
"Liberdade?" - o eco novamente.
Inquietos, ansiosos, desconhecendo-se
voltaram timidamente a questionar,
quase como sussurro..
"Contra quem travou-se a guerra?"
"A que estamos mesmo aqui?"
"Que será daquele?"
"Que será de nós?"
E aos poucos, indecisos, amedrontados,
sem intenções de guerra, dissiparam os valentes.
Dissiparam todos, menos um.
"Liberdade!" - o cavaleiro.
"Liberdade?" - o eco.
Não conseguia entender.
Até que desceu de seu cavalo.
Olhou ao longe o horizonte reluzir misturas de cores.
Viu as montanhas e sentiu o vento.
"Sou livre!"
E veio o eco atrás
"És livre?"
Mas o cavaleiro já havia entendido,
respirou todo o ar e soltou-o lentamente.
Admirou os pássaros.
Agradeceu o penhasco
e foi-se embora de alma cheia.





sábado, 10 de janeiro de 2015

Canta meu conto

Quantos contos contam
Entre tantos contos
Que se encontram 
Contando entre uns e outros
Todo conto em todo canto?

Entrelaçam memórias
Tão distintas
Tão notórias
E vivem em desencontros
O apanhado de contos
Que nos contam.

Ah, se eu pudesse
Reunir em algum ponto
Esse emaranhado de contos
E descobrisse uma maneira de contar 
Toda a riqueza de cada encontro,

Seria eu poeta, 
Seriam palavras de encanto...
Seria talvez minha forma de contar
O meu canto!