O ombro da Borboleta

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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Perpétua - Parte 4



O dia de Perpétua na Editora fora totalmente incomum. Não conseguiu concentrar-se em praticamente nada. Sua memória corria pelo último mês em flashes e lhe tiravam o fôlego, corando suas bochechas e lhe arrancando lágrimas tímidas.
Sua história e a de Paolo havia subido a serra. Ambos se apaixonaram perdidamente. E se encontravam praticamente todo dia após terem voltado de viagem, e quando não o faziam trocavam mensagens carinhosas e muitas vezes calorosas. Ardiam em paixão.
Paolo tinha mãos largas e fortes, e as apertava contra as costas de Perpétua fazendo-a tirar os pés do chão para encontrar sua boca. Perpétua abraçava-o com toda sua força, comprimindo seu corpo no dele, como se para unificá-los.
Mal podiam se ver e já estavam se beijando. E por dias trocaram segredos e carícias. Tomaram vinho e cozinharam juntos. Foram ao cinema. E se amaram.

Amaram um ao outro com ferocidade e delicadeza. Exalavam luzes, cheiros, toques. Satisfaziam de maneira poética e visceral seus desejos mais instintivos.

E esses desejos relembrados, passavam pelos olhos perdidos de Perpétua, deixando-a vermelha e ofegante. Logo, sua amiga Maria Clara, com quem trabalhava percebendo a situação chamou-a para um café.

- Conte-me tudo!
- Ah Clarinha – como gentilmente a chamava – é ele.
- Ele quem? Ah não! Não acredito! De novo o Paolo?
- É...eu sei...mas ele me ligou ontem...
- Perpétua! Pare de ser sonhadora! Você já sofreu muito por ele. Por que fará isso com você mais uma vez?
- Eu estava me lembrando de como tudo começou... da praia, do nosso primeiro beijo...eu sei! – balbuciou cortando as imagens que lhe formavam na cabeça, olhando para amiga repreensiva. – Sei que já vivi esse amor. Sei que já não deu certo. Sei que sou teimosa.
- Então amiga. O passado não trará nada novo.
- Mas Clara, porque ele me procurou? Por que ainda suspiro ao ver o nome dele no visor do meu celular? Minhas mãos tremem sempre depois que desligo. Meu coração arde, e eu me sinto feliz, mesmo sabendo... – Perpétua foi praticamente arremessada para uma lembrança um tanto dolorida.

Estavam no apartamento de Paolo, em São Paulo, já passara dois meses do dia que se conheceram. Na sala havia uma estante com muitos livros sobre vinho e gastronomia, um sofá verde musgo, e uma estante baixa com uma grande TV em cima. Ao lado do sofá a porta que dava para a varanda estava aberta e a cortina branca cobria apenas uma parte, dando espaço à linda vista dos prédios da região da Avenida Paulista. Uma antena em forma de Torre Eiffel colorida brilhava não muito longe, e Perpétua a estava admirando.
Era madrugada. Há um tempo Paolo andava distante, trabalhava muito e certamente se cansara de algumas meninices de Perpétua. Insegura com o afastamento, ela constantemente o consternava com ligações inoportunas, ou questões constrangedoras ou ainda com surpresas nada atrativas.
Além disso, o fogo da paixão estava já virando apenas brasa mansa. Perpétua via nos olhos de Paolo um abandono silencioso, entristecida e esperançosa, sabotava-se com essas pequenas inquietudes piorando ainda mais a situação.

- Você anda distante...- balbuciou Perpétua pegando seus pertences na sala, enquanto ele terminava de se vestir.
- Ando trabalhado muito. Estou cansado.
- Sim...mas digo, não tem me ligado. Anda sumido... Mudou alguma coisa entre nós? – ela arrumou os cabelos, torcendo-os até formar um coque, e deu um nó com os próprios fios castanhos claro.
Paolo apareceu na sala, ficou perto dela por alguns instantes.
- A verdade é que... – e afastou-se em direção a cozinha – eu não estou mais apaixonado por você.

Perpétua balançou a cabeça, como para afastar maus pensamentos. Estava de volta ao lounge de onde trabalhava. Olhou para Maria Clara, ela estava esperando uma continuação.

- ...mesmo sabendo que ele não sente nada por mim. E foi bem claro quanto a isso.
- Calma...não precisa ficar lembrando das coisas ruins também. – Clara percebia a mudança na feição da amiga. – Você já superou isso!
- Será mesmo Clarinha? – resmungou Perpétua olhando para suas mãos e para a xícara de café já frio. Seus olhos lacrimejaram, dando um tom rosa para seu nariz e bochechas.
- Per, não fique assim. Ele quem ligou, certo? Como foi? O que ele disse? Anime-se!!
- Não, você tem razão. – Perpétua limpou os olhos e se levantou, anunciando que iria voltar a sua mesa – Eu preciso entender de uma vez por todas.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Pequenos contos para sonhar - 1 - Claire e Brian

Já passava das seis da tarde e Claire, de estatura média e cabelos pretos como jabuticaba estava à porta de um café, esperando por sua companhia.
Vestia uma calça jeans vermelha e uma blusa e botas pretas. No pescoço enrolava-se um echarpe branco e tinha às mãos um livro de bolso, Antígona. Seus olhos contornados perfeitamente com lápis preto traziam ainda mais força à sua expressão de interesse por aquelas palavras do exemplar de Sófocles.
Ela estava em pé, encostada no batente da porta, imersa em um mundo paralelo.
Nessa mesma rua, Brian, um homem também de cabelos negros e lisos, andava a passos médios pensando no difícil dia que tivera. Ele estava com a barba por fazer e vestia uma camiseta verde escuro e jeans. Sua expressão era aflita, mas não sofrida.
Brian se aproximou do café onde estava Claire. Pensou em tomar algo, e decidiu, em um impulso, entrar. Resoluto, mal vira a presença de alguém bloqueando metade da passagem e no momento em que trocou a direção de seu corpo fez-se brecar bruscamente.
- Desculpe-me. Não a vi! - disse ele, logo quando ela levantou seus olhos assustados.
- Ah... Oi. Tudo bem. Você só precisa tomar mais cuidado. Levei um susto. - respondeu aflita, buscando relembrar a página perdida.
Brian acenou com a cabeça e deu um meio sorriso declarando sua falta de jeito e atenção. Entrou. Pediu uma cerveja.
Claire aproveitou a interrupção e olhou para o relógio.
- Nossa, seis e meia? Sue está atrasada demais. - pensou.
Passou seus olhos pelas mesas de dentro do café, Sue certamente poderia ter chegado sem que ela percebesse, pois estava absorta em sua leitura. Não a encontrou, mas viu o homem com quem acabara de trocar meia dúzia de palavras. Ele havia sentado junto ao balcão, e havia algo intrigante em como ele brincava com o saleiro e o paliteiro. Não era graça, nem tristeza. Mas os objetos ganhavam em suas mãos certa personalidade. Claire podia quase afirmar que ele estava dando vida à eles, e interagindo com eles. Instintivamente, ela riu.
Brian percebeu estar sendo observado e olhou para trás.
Outro momento estranho aconteceu entre eles. Claire sentiu-se pega de surpresa, e transpareceu em sua feição vergonha, arrependimento e culpa. Brian também revelou certa indisposição e vergonha em seu olhar.
Antígona foi fechado, Claire arrumou a postura, respirou fundo e foi até o balcão do bar. Sentou-se ao lado de Brian e antes que pudesse pronunciar uma só palavra ele olhou para ela e sorriu.
- Não a culpo por rir.
- Desculpe-me.
- Não há pelo que se desculpar. - e pegou o saleiro de volta à mão - esse é o Sr. Salgado, e esse é o Sr. Palitão - pegou também o paliteiro e brincou em direção à ela.
Claire riu deliberadamente, anunciando também seu alívio.
- Então você está acompanhado dos seus dois bons amigos, suponho.
- Oh, sim. Eles são os melhores. Se a vida está sem sal, este aqui tempera, e se está... bem...- ficou procurando como o Sr. Palitão poderia ajudá-lo em qualquer coisa na vida - bem...ele pode pegar petiscos para você, quando a fome apertar e não quiser sujar seus dedos!
Os dois riram, um pouco mais alto do que normalmente fariam.
- Eu sou Claire. Muito prazer.
- Sou Brian. - ambos deram as mãos em cumprimento.
- O que faz aqui Claire? - interrogou ele, colocando de volta aos seus lugares originais os potinhos de sal e palito.
- Bem, eu tinha um encontro. Mas minha amiga provavelmente não vem mais.
- Entendo.
- E você?
- Bom, como você mesma viu, decidi em cima da hora entrar e tomar alguma coisa. Minha cabeça anda meio cheia.
Um silêncio prosseguiu por alguns segundos.
- Posso acompanhá-lo na cerveja? 
- Claro, será um prazer! Garçom, por favor, traga outra cerveja para essa moça.
Durante algumas horas Claire e Brian conversaram sobre diversos assuntos. Brian contou sobre seu trabalho com softwares e tecnologia e como vinha enfrentando certa dificuldade em lidar com pessoas acostumadas com relações cibernéticas apenas. Falou da pressão que sentia quando os resultados não eram os esperados, e principalmente de como aquele dia tinha sido sofrido ao perderem um bom cliente. Claire, por sua vez, falou do seu trabalho como dubladora de filmes e cantora, e como entendia de maneira artística essas novas formas de relacionamento virtual. E ainda, como ela achava que Brian deveria encarar esse momento profissional de forma mais positiva, observando as falhas que os levaram a perder tal cliente, para poderem então melhorar suas fraquezas.
Ambos escutaram empaticamente o outro. Abriram seus corações amigavelmente, como se já se conhecessem há séculos. Divertiram-se verdadeiramente.
- Bom. Já é tarde. Preciso ir. - antecipou-se Claire ao olhar o relógio marcando nove horas e vinte minutos.
- Nossa. Como a hora passou rápido.
- Pois é. Foi realmente divertido. Bom...até mais.
- Espere. Deixe-me anotar seu telefone, ou seu email. - Brian falou, com uma insegurança notável.
Porém, Claire já havia se decidido.
- Desculpe-me. Não.
Brian a olhou cismado.
- Não é nada pessoal. - adiantou-se Claire. - uma promessa boba...não posso criar expectativas...espero que entenda...foi um prazer conhecê-lo...
Levantou-se e saiu, aflita, perdendo-se em meio as pessoas que caminhavam.
Brian piscou demoradamente, estava confuso.
Ao olhar o balcão, no entanto, saltou aos seus olhos um livro, pequeno, usado. Em sua contracapa estava escrito: Claire Sullivan, Escola de Dublagem Gioconda. 

  

Sê inteiro

"Para ser grande, sê inteiro". Dizia o poeta facetado.
Parece-me torto. Não incorreto! Mas contrário.
"Sê inteiro, para ser grande".
A importância da intenção, devidamente posicionada.
Não dá para querer ser inteiro, pensando em ser grande.
Para ser inteiro, há de parar de pensar. Há de ser.
Inteiro.
Ser todo o seu ser.
Íntegro.
(Lembra-me um pouco frases de Teatro Mágico. "Difícil é ser tão simples".)
Difícil é ser inteiro.
Aprofundar-se em si. Cobrar-se paciência.
Entender-se, desculpar-se.
Criar laços. Cuidar. Fazer.
Seguir verdadeiramente o seu coração, com ações.
Sem impulsos, mas movimento.
E tentar, toda e cada vez, o que for necessário.
E tentar mais uma vez.
E tentar sempre.