O ombro da Borboleta

O ombro da Borboleta

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O jantar à mesa

Estava sozinha em um restaurante.
Observava as pessoas e os objetos. Era a primeira vez que eu ia aquele lugar.
O ambiente era agradável, mesas de madeira espalhadas na calçada, um vento fresco de noite, uma meia luz amarelada revelando certa boemia.
Meu copo de suco transpirava frescor.
Não esperava por ninguém. Viajava a trabalho e ficaria ali, esperando pelo prato pedido e depois voltaria ao hotel onde estava hospedada.
Seria uma noite comum, não fosse uma pequena gata que surgiu surpreendentemente do meio-fio da calçada.
Ela veio e trouxe consigo a lembrança de seu rosto.
Minha memória imediatamente foi buscá-lo lá de longe para bem perto.
Lembrei do seu riso e da sua luz, das piadas que faz sobre si mesmo e depois sorri sem graça. Lembrei de como você costuma comer coisas saudáveis e como "vira e mexe" me dá conselhos para que eu mude minha alimentação. De como você é gentil com as pessoas, sempre trazendo abraços ou bombons e como seu bom humor contagia.
Consegui visualizar repetidas vezes nós dois gargalhando por alguma razão ínfima - meu prato enfim chegou a mesa. Imersa em pensamentos eu comecei a comer - Suscitou-me à lembrança sua discrição e o seu tato para falar de assuntos difíceis, e também da sua coragem para expressar sua opinião, mesmo que adversa.
Meu pensamentos trouxeram a tona a maneira sensível como você silencia nos momentos em que percebe minha angústia para falar e ainda como oferece generosamente seu ombro às minhas lágrimas.
E em meio a tantas lembranças senti um calor acolhedor dentro do meu coração.
Olhei com afeto para aquela gatinha. Sempre quando almoçamos naquele pesqueiro (com deck de madeira e um lago bonito à sua margem), você carinhosamente tira pedaços da sua comida do prato e dá aos gatinhos assanhados que vivem por ali. E por isso, todas as vezes eles rodeiam nossa mesa, miando desesperadamente.
Pensei no quanto sua presença me ensina e já me ensinou durante o tempo que nos conhecemos...
Naturalmente, tirei do meu prato algumas batatinhas e ofereci àquela gatinha. Faminta ela avançou salivante!
Respirei fundo aliviada, renovada, com a alma também alimentada.
Obrigada, meu amigo, pela companhia nesse jantar!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

E a verdade sei

Pandora abandonou-me em dúvidas,
quando veio disfarçada em caixa de ódio
aquela bendita esperança.
Por vezes tentei decifrá-la,
por vezes deparei-me triunfante a segurá-la.
Como um soldado a empunhar firme sua espada para lançar um último golpe.
A última que morre,
A espera confiante driblou-me a tanto,
e a todo embaralho
dizia-me, mantenha o espírito, e há de ser.
Não sabia outrora o que sei agora.
Enganou-me mascarada de bem,
em meio a tanto mal liberto
do presente curioso.
Não mais.
Esperança é o mal maior,
é a expectativa infinda,
a cortina espessa que encobre a verdade.
É a última a se vencer, pois é a mais difícil.
Está travestida.
Se mantém perto e nos aconselha.
Parece amiga.
Fez sentido por fim aquela caixa: amaldiçoada.
E a verdade sei.
Não hei de esperar mais nada.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Liberdade

"Liberdade!"
Gritou avante o cavaleiro frente a guerra que travara.
O eco surdo do penhasco respondeu:
"Liberdade?"
Enfezados, companheiros clamaram por uma resposta digna!
Em cochichos ou em gritos afrontaram tal audácia,
"Que infâmia esta pergunta!"
"Como pode alguém ofender tão nobre soldado?"
"Serás possível o oponente responder?"
"Quem és desavergonhado vilão?"
E o burburinho todo repetia em eco:
barulho, barulho, barulho!
Em vanguarda, ajustou-se novamente em seu cavalo.
"Liberdade!" - o cavaleiro
"Liberdade?" - o eco.
Ah, agora aos berros, nenhum patrulheiro se eximiu
"Tirano! Há de respeitar nosso guerreiro!"
"Valha apenas a coragem dele em postar-se aqui!"
"Por que não sobe este penhasco e enfrenta-nos?"
"Basta esse atrevimento!"
E um dos que estavam na retaguarda, empunhou sua espada,
e em passos largos, balbuciando raiva
lançou-se do penhasco a gritar
"Comigo NÃO, a mim não!"
- puf.
Fez silêncio.
"Liberdade!" - o cavaleiro arriscou.
"Liberdade?" - o eco novamente.
Inquietos, ansiosos, desconhecendo-se
voltaram timidamente a questionar,
quase como sussurro..
"Contra quem travou-se a guerra?"
"A que estamos mesmo aqui?"
"Que será daquele?"
"Que será de nós?"
E aos poucos, indecisos, amedrontados,
sem intenções de guerra, dissiparam os valentes.
Dissiparam todos, menos um.
"Liberdade!" - o cavaleiro.
"Liberdade?" - o eco.
Não conseguia entender.
Até que desceu de seu cavalo.
Olhou ao longe o horizonte reluzir misturas de cores.
Viu as montanhas e sentiu o vento.
"Sou livre!"
E veio o eco atrás
"És livre?"
Mas o cavaleiro já havia entendido,
respirou todo o ar e soltou-o lentamente.
Admirou os pássaros.
Agradeceu o penhasco
e foi-se embora de alma cheia.





sábado, 10 de janeiro de 2015

Canta meu conto

Quantos contos contam
Entre tantos contos
Que se encontram 
Contando entre uns e outros
Todo conto em todo canto?

Entrelaçam memórias
Tão distintas
Tão notórias
E vivem em desencontros
O apanhado de contos
Que nos contam.

Ah, se eu pudesse
Reunir em algum ponto
Esse emaranhado de contos
E descobrisse uma maneira de contar 
Toda a riqueza de cada encontro,

Seria eu poeta, 
Seriam palavras de encanto...
Seria talvez minha forma de contar
O meu canto!