O ombro da Borboleta

O ombro da Borboleta

quarta-feira, 26 de março de 2014

Perpétua Parte 2



Perpétua acordou mais cedo do que de costume, queria ter tempo para escolher bem sua roupa, tomar um banho demorado, certificar-se de pegar a maquiagem e o desodorante para repassar tudo depois do expediente de trabalho e ainda tentar ensaiar suas falas casuais para quando o visse. Ela estava ansiosa e confusa. E não era para menos, há uns dois meses antes eles tinham vivido uma paixão arrebatadora, um romance inesperado e completamente envolvente.
Paolo vira Perpétua de longe, já passara uma hora da meia noite de final de ano, ela vestia uma saia curta predominantemente vermelha, uma blusa branca e vinha descalça pela praia com alguns amigos. Ele também vestia branco, uma bata praiana, short e chinelos de dedo. Sua barba por fazer e seus cabelos negros e lisos já um tanto bagunçados pela festa. Ambos felizes, comemorando a promessa de um recomeço cheio novidades e expectativas.
Mal Perpétua chegou ao quiosque e já foi abordada por Paolo.
- Você estava me olhando. – sussurrou Paolo perto do ouvido de Perpétua.
- Eu? – respondeu de pronto, virando-se para ver quem estava fazendo tamanha afronta.
- Ah, não diga que não estava. - insistiu com certo charme.
Perpétua fez uma expressão de desdém e olhou ao redor procurando seus amigos.
- Claro, fiquei para trás. – comentou baixinho.
- Quer que eu ajude a encontrá-los?
- Você ainda está ai?
- Achei que você ficaria chateada em me perder nessa multidão. Estou lhe dando mais uma chance de assumir que estava me olhando. Você gostou de mim, foi? – falou num tom de brincadeira, revelando seu sotaque baiano.
- Como você é presunçoso! – disse ela, sentindo-se um pouco mais a vontade ao lado daquele estranho. – Lá estão eles.
- Não vai nem me dizer seu nome?
- Mas não era eu quem estava olhando? Eu deveria querer saber seu nome. – retrucou já longe, indo de encontro a sua turma, sem se preocupar em ouvir qualquer outra fala dele. Paolo acompanhou-a com o olhar e sorriu.
- Quem era aquele? – perguntou Renata, a mais próxima das amigas de Perpétua.
- Não sei. Um estranho com uma cantada um tanto diferente.
- Daqui ele parece bonito...
- Ele é. Mas disse que eu estava olhando para ele, e eu nem o vi quando chegamos.
- Eu teria visto! – riu Renata – ele está olhando para cá!
Perpétua esperou uns instantes e virou disfarçadamente o rosto observando-o de canto. Ele levantou seu copo de cerveja brindando a ela, que rapidamente voltou sua cabeça na direção oposta.
- Ele me intriga...
- Hummm! Vá lá conversar com ele amiga! Hoje é dia de comemoração e não temos nada a perder.
- Eu não vou. – e olhou novamente para trás. Ele não estava mais no lugar de antes, e nem por perto.

(Continua...logo mais logo menos)

terça-feira, 25 de março de 2014

Perpétua

Perpétua era uma menina tola. Tinha 23 anos e um box do Almodóvar nas mãos. Corria para pegar o  ônibus das 23h para poder chegar à casa de sua tia, onde morava na zona sul de São Paulo. Seu casaco vermelho comprido dançava ao vento a cada passo de pressa. Ela ia sorrindo, pensando ser seu mundo o mundo real, e por isso era tola. O mundo não foi feito para Perpétuas.
Chegou ao ponto ofegante, o ônibus esperava pacientemente. Olhou para os filmes do famoso diretor espanhol, belas histórias, cheias de drama e paixão. Ah, como a vida tintinava em seu coração.
Lembrou de sua noite, do reencontro com Paolo.
Era início de outono, quando o frio já sopra sua chegada, mas o sol ainda insiste em aquecer as pessoas em que toca. Perpétua, por ser uma romântica incurável, não conseguia não amar essa linda estação.
Ao chegar em casa, aconchegou-se debaixo de seu edredom, e reviveu em pensamentos toda sua noite encantada.
Paolo ligara um dia antes, dizia estar com saudade. Eles já se conheciam há alguns meses. Conheceram-se, mais especificamente, no verão, na virada do ano de 2002 para 2003.
- Alô? Ainda se lembra de mim?
- Oi..ah...claro! Como não...digo, lembro sim! - respondeu atrapalhada.
- Faz tempo que não nos falamos, mas queria saber como você está...
- Estou bem, você sabe, estudando, trabalhando...e você?
- Estou bem também. Queria te ver.
Nesse momento um estalo soou no ouvido de Perpétua, como um zunido, impedindo-a de ouvir mais qualquer coisa.
- Você ainda está ai? Se não quiser me ver tudo bem...
- Oh, não! Claro, vamos nos encontrar! - disse acelerada - fiquei distraída com...
- Quando você pode? Preciso conversar com você!
- Amanhã a noite estou livre... - no instante em que falou culpou-se por ser tão cedo a sugestão - digo, tenho uma aula vaga, mas podemos deixar para semana que vem também.
- Amanhã está ótimo para mim! Onde passo te pegar?
Desde essa ligação tudo havia se transformado para ela.

(Continua...)

quarta-feira, 12 de março de 2014

Hércule sozinho

Deu de ombros.
Hércule sabia que não iria muito longe. Já havia vasculhado respostas durante o dia todo. Não encontrara nada, e começava a se contentar com o fato de que jamais encontraria.
Sua tristeza era ele mesmo, parte indissociável de seu ser. Sem ela ele não era ninguém.
A tristeza dava a Hércule um status de homem triste: lobo solitário. Presenteava-o com certo mistério e de certa forma isso atraia os outros, curiosos, ingênuos...
Sua dor era também sua identidade.
Mas estava quase insustentável viver dentro de si mesmo. Seu choro ecoava piedade. Suas lastimas eram vazias e o judiavam ainda mais pela culpa.
Estava cansado demais. Exausto para identificar-se novamente, para reconhecer-se e perder o controle que pensou ter. Preferia o comodismo de sua solidão.
Deu de ombros.
E seu sofrimento foi abraçando seu corpo, seu sangue. Foi inventando cânceres.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Gira o mundo

Inquietos tropeçam os dias. Não sentimos até senti-los.
Transformam encontros, mudam sentidos, tiram de nós ou nos dão vínculos eternos.
Falam línguas ocultas. Remoem passados e medos. Nos imergem em dor.
Mudam. Nosso olhar, nossa vida, nosso cerne. Encontram nosso íntimo e o estapeia.
Fazem-nos encarar verdades atrozes. Cospem vaidades. Descobrem covardias. 
Logo se vão. As vezes deixam saudades letais, outras expectativas insanas. As vezes não deixam nada.
Não somos os mesmos nunca mais.

Contundências

Pensar.
Consome meus dias e noites. Serei eu um viciado em sofrer?
Reluto numa áurea de infelicidade.
Escolho ser infeliz?
Pelo que minha alma anseia?
Porque não suporto a mim? Ou é o suportar enfastiante e me engano?
Estou a percorrer caminhos inócuos e por isso me amarguro ou me amarguro na dura missão de evoluir?
A felicidade, é enfim, essa concepção subjetiva de evolução?
É feliz quem é simples? Ou abandonam suas vaidades para sentir então mais nada?
Enfado. Cansaço.
Para que serve a felicidade senão para morrer?
Morrer talvez seja a felicidade. Ser livre de ser humano.