O ombro da Borboleta

O ombro da Borboleta

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Pequenos contos para sonhar - 1 - Claire e Brian

Já passava das seis da tarde e Claire, de estatura média e cabelos pretos como jabuticaba estava à porta de um café, esperando por sua companhia.
Vestia uma calça jeans vermelha e uma blusa e botas pretas. No pescoço enrolava-se um echarpe branco e tinha às mãos um livro de bolso, Antígona. Seus olhos contornados perfeitamente com lápis preto traziam ainda mais força à sua expressão de interesse por aquelas palavras do exemplar de Sófocles.
Ela estava em pé, encostada no batente da porta, imersa em um mundo paralelo.
Nessa mesma rua, Brian, um homem também de cabelos negros e lisos, andava a passos médios pensando no difícil dia que tivera. Ele estava com a barba por fazer e vestia uma camiseta verde escuro e jeans. Sua expressão era aflita, mas não sofrida.
Brian se aproximou do café onde estava Claire. Pensou em tomar algo, e decidiu, em um impulso, entrar. Resoluto, mal vira a presença de alguém bloqueando metade da passagem e no momento em que trocou a direção de seu corpo fez-se brecar bruscamente.
- Desculpe-me. Não a vi! - disse ele, logo quando ela levantou seus olhos assustados.
- Ah... Oi. Tudo bem. Você só precisa tomar mais cuidado. Levei um susto. - respondeu aflita, buscando relembrar a página perdida.
Brian acenou com a cabeça e deu um meio sorriso declarando sua falta de jeito e atenção. Entrou. Pediu uma cerveja.
Claire aproveitou a interrupção e olhou para o relógio.
- Nossa, seis e meia? Sue está atrasada demais. - pensou.
Passou seus olhos pelas mesas de dentro do café, Sue certamente poderia ter chegado sem que ela percebesse, pois estava absorta em sua leitura. Não a encontrou, mas viu o homem com quem acabara de trocar meia dúzia de palavras. Ele havia sentado junto ao balcão, e havia algo intrigante em como ele brincava com o saleiro e o paliteiro. Não era graça, nem tristeza. Mas os objetos ganhavam em suas mãos certa personalidade. Claire podia quase afirmar que ele estava dando vida à eles, e interagindo com eles. Instintivamente, ela riu.
Brian percebeu estar sendo observado e olhou para trás.
Outro momento estranho aconteceu entre eles. Claire sentiu-se pega de surpresa, e transpareceu em sua feição vergonha, arrependimento e culpa. Brian também revelou certa indisposição e vergonha em seu olhar.
Antígona foi fechado, Claire arrumou a postura, respirou fundo e foi até o balcão do bar. Sentou-se ao lado de Brian e antes que pudesse pronunciar uma só palavra ele olhou para ela e sorriu.
- Não a culpo por rir.
- Desculpe-me.
- Não há pelo que se desculpar. - e pegou o saleiro de volta à mão - esse é o Sr. Salgado, e esse é o Sr. Palitão - pegou também o paliteiro e brincou em direção à ela.
Claire riu deliberadamente, anunciando também seu alívio.
- Então você está acompanhado dos seus dois bons amigos, suponho.
- Oh, sim. Eles são os melhores. Se a vida está sem sal, este aqui tempera, e se está... bem...- ficou procurando como o Sr. Palitão poderia ajudá-lo em qualquer coisa na vida - bem...ele pode pegar petiscos para você, quando a fome apertar e não quiser sujar seus dedos!
Os dois riram, um pouco mais alto do que normalmente fariam.
- Eu sou Claire. Muito prazer.
- Sou Brian. - ambos deram as mãos em cumprimento.
- O que faz aqui Claire? - interrogou ele, colocando de volta aos seus lugares originais os potinhos de sal e palito.
- Bem, eu tinha um encontro. Mas minha amiga provavelmente não vem mais.
- Entendo.
- E você?
- Bom, como você mesma viu, decidi em cima da hora entrar e tomar alguma coisa. Minha cabeça anda meio cheia.
Um silêncio prosseguiu por alguns segundos.
- Posso acompanhá-lo na cerveja? 
- Claro, será um prazer! Garçom, por favor, traga outra cerveja para essa moça.
Durante algumas horas Claire e Brian conversaram sobre diversos assuntos. Brian contou sobre seu trabalho com softwares e tecnologia e como vinha enfrentando certa dificuldade em lidar com pessoas acostumadas com relações cibernéticas apenas. Falou da pressão que sentia quando os resultados não eram os esperados, e principalmente de como aquele dia tinha sido sofrido ao perderem um bom cliente. Claire, por sua vez, falou do seu trabalho como dubladora de filmes e cantora, e como entendia de maneira artística essas novas formas de relacionamento virtual. E ainda, como ela achava que Brian deveria encarar esse momento profissional de forma mais positiva, observando as falhas que os levaram a perder tal cliente, para poderem então melhorar suas fraquezas.
Ambos escutaram empaticamente o outro. Abriram seus corações amigavelmente, como se já se conhecessem há séculos. Divertiram-se verdadeiramente.
- Bom. Já é tarde. Preciso ir. - antecipou-se Claire ao olhar o relógio marcando nove horas e vinte minutos.
- Nossa. Como a hora passou rápido.
- Pois é. Foi realmente divertido. Bom...até mais.
- Espere. Deixe-me anotar seu telefone, ou seu email. - Brian falou, com uma insegurança notável.
Porém, Claire já havia se decidido.
- Desculpe-me. Não.
Brian a olhou cismado.
- Não é nada pessoal. - adiantou-se Claire. - uma promessa boba...não posso criar expectativas...espero que entenda...foi um prazer conhecê-lo...
Levantou-se e saiu, aflita, perdendo-se em meio as pessoas que caminhavam.
Brian piscou demoradamente, estava confuso.
Ao olhar o balcão, no entanto, saltou aos seus olhos um livro, pequeno, usado. Em sua contracapa estava escrito: Claire Sullivan, Escola de Dublagem Gioconda. 

  

Um comentário:

  1. Além de poetiza agora escritora também.
    Laurinha você tem aqui um fã.
    Adoro esses seus pensamentos.
    Beijo grande.

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